quarta-feira, 23 de julho de 2008

Crônica de uma rocha sedimentar

Bateu a tranca do portão e foi pro mundo. O sol da meia-tarde mostrou a dança que faziam os cabelos desarrumados, em par com o sopro fraco do vento. Se exibia pra rua vazia. Já tinha o caminho desenhado, era só ligar o piloto automático. Subir, virar à esquerda, mais duas quadras e à direita, vinte e dois metros e esperar. 15 ou 20 minutos. Minha nossa que demora. Ah filha, é o de sempre...paciencia. Paciência. Chega o centro da cidade, o caldeirão de gente escaldada com suor. Os berros marqueteiros de esquina, a tenda do velho chapeleiro. Como vive a gente disso? O calçadão sujismundo, leito do preto abolido, do lixo da feira de ontem. Tudo é parte do caminho.

Sei lá se é isso o que queria. Os 15 anos já ficaram pra trás, e trancafiados dentro dele os sonhos, as utopias. Esquerda, militância, passeatas, Chê virou estampa. Agora tem uma sala nesse prédio velho onde bate papelada até o dia acabar. Tudo por aquí encarde e cai aos pedaços em muito pouco tempo. Depois reformam e dizem que é patrimônio. Patrimônio histórico. Parecem pistas mal-forjadas de um Brasil e seu passado glorioso. Oh!
Pegou o que restava pra receber. Um ganha-pão de sobrevivência mensal. Foi-se embora batendo pernas de volta pra casa, enroscando a saia entre as pedras soltas do calçamento, seguindo a trilha nesse deserto asfaltado.

No quarto mal iluminado pela luz que o dia ainda não entregou à noite por completo, o espelho enquadra o rosto. As várias caras empoeiradas, sobrepostas lentamente ano a ano, acomodam-se e vão escondendo aquela primeira face viva, carregada de horizontes. E de camada em camada ela endurece, se recolhe, se protege. Coberta de esquecimento, feito rocha sedimentar.



"A intenção de conseguir uma forma de proteção contra o sofrimento mediante uma elaboração ilusória da realidade é a empresa comum de um número considerável de pessoas." - Sigmund Freud

Imagem por Rafael Ángel Fernandez (http://flickr.com/photos/rafael-angel/2494695532/)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Voltei, e o assunto é POLÍCIA


Olá pessoal! Finalmente resolvi tirar a bunda da cadeira, pra não dizer as idéias da cabeça, e voltei a postar aqui no Sol na Laje.

Eu, como todos os membros de uma sociedade antenada nos meios de comunicação de massa, só estou abordando esse assunto agora, já que vem saindo nos quatro cantos das telinhas.

Ontem de noite eu estava zapeando canais na minha TV e passei por um daqueles programas a primeira vista chatíssimos da Tv Brasil, com uma senhora de sei lá quantos anos apresentando, e convidados com cara de almofadinhas franceses. Só que no meio deles tinha um rosto conhecido. Era o ex-capitão do BOPE Rodrigo Pimentel, que inspirou o famoso "Capitão Nascimento" do filme Tropa de Elite. O assunto seria a série de assassinatos à civis cometidos pela PM do Rio, e que dessa vez veio a tona na mídia. Resolvi que iria dormir um pouco mais tarde para assistir o debate.

Quando o programa começou, um dos convidados, um advogado e professor na Fundação Getúlio Vargas desandou a falar sobre falhas jurídicas e todo aquele blablabla típico de advogados(Me perdoe se tiver algum lendo isso! Estou generalizando mesmo!). Enquanto isso o ex-capitão ficava quieto, impassivo, apenas observando o desenrolar do debate, "a la Barack Obama".

Quando chegou a hora de falar, os argumentos de Cap. Pimentel foram muito oportunos a meu ver. Primeiro ele deixou claro que não existe a tal "onda de violência policial" e sim casos que chegaram aos olhos e ouvidos da grande mídia por envolver membros de classes mais abastadas. A violência policial sempre existiu. Falou depois uma coisa que me chamou muito a atenção. O ex-capitão disse que na sua opinião os políciais, apesar de vivos, TAMBÉM são vítimas. De início tive vontade de proferir um daqueles palavrões escabrosos, afinal se alguém pesquisar uma postagem minha do ano passado vai notar a "admiração" que tenho pela PM. Mas depois ele explicou seu ponto de vista.

A PM, é a polícia que mais mata (seria esse o significado da sigla?), e o que é mais impressionante, mata mais que os bandidos. Mas não porque os policiais sejam malvados, e sim porque são extremamente mal preparados. Estes PMs criminosos, são aqueles que ganham 900 reais e trabalham sob forte estresse. Os ingredientes - treinamento ruim, salário baixo, infra-estrutura decadente e pressão psicológica resultam numa receita que acaba se tornando indigesta pra todos nós.

O ex-capitão deu nome aos bois, afirmando que a verdadeira culpa é do governo e dos secretários de segurança. Afinal, a polícia ao contrário do que muitos pensam segue ordens e sinalizações. E o que vêm sendo sinalizado aos agentes de segurança pública são frases muito conhecidas por todos nós: "Bandido bom é bandido morto", e "Atire primeiro, pergunte depois".

É preciso entender que policiais não são pistoleiros, nem justiceiros.

Tudo isso me deixa com um sentimento muito grande de covardia, pois é a prova de que na forma de roubos, sequestros e assassinatos, estamos sendo aniquilados pela nossa própria apatia.

"Mas feitiço é bumerangue, perseguindo a feiticeira" - Lenine
créditos da foto: http://www.diariosbo.com.br